Le Nain brothers
De capacete, asas abertas e modéstia preservada entre as pregas de um tecido vermelho, uma mulher nua, generosamente sensual ergue-se vitoriosa sobre um corpo jacente, vagamente feminino, cujos pés foram substituidos pelas volutas de uma serpente. Com uma mão segurando um ramo de palmeira e a outra no seio, a primeira contempla a singular cativa. Simboliza a vitória, mas sobre quem? A alegoria dos pés tem sido alvo de interpretações várias, desde o Engano, à Intriga, à Rebelião, vícios a que se opunha fortemente o pensamento de direita da época. A composição é avivada pela forma artificiosa como a correlação das linhas oblíquas no céu contrasta com a geometria quase excessivamente reta da cena. A mulher nua posiciona-se triunfante ao centro sobre um fundo contendo, à direita, algumas figuras menores.
Única e totalmente inesperada na obra dos irmãos Le Nain, esta inusitada pintura veio a público no Château de Cheneviery, nas imediações de Montargis, tendo sido adquirido, em 1971, com a ajuda da associação Amigos do Louvre. Parece, dadas as dimensões e o tema, ter sido concebido para se colocar sobre uma lareira. Análises radiográficas revelaram uma Sagrada Família debaixo do presente trabalho, apagada por não ter agradado aos criadores ou ao cliente, ou simplesmente por este ter mudado de ideias. Neste caso, a pintura descartada orientava-se horizontalmente, tendo o pintor reutilizado a tela virando-a na vertical.